Conhecimento jurídico | Tributário
30 junho 2025

O futuro do Pilar 2 e o novo “acordo” do G7

1. Introdução

Em junho de 2025, os ministros de Finanças dos países do G7 divulgaram uma nota conjunta por meio da qual anunciaram um novo “acordo” político em matéria de tributação internacional, com foco específico no tratamento a ser conferido aos grupos multinacionais sediados nos Estados Unidos no contexto do Pilar 2 da OCDE.

O “acordo” em questão consistiria, em linhas gerais, na retirada, pelo governo americano, da proposta de introdução da chamada Seção 899 — que previa sanções tributárias unilaterais contra países que adotassem o Under-Taxed Profits Rule (UTPR) ou mantivessem Digital Services Taxes (DSTs) — em troca de um compromisso dos demais membros do G7 de buscar mecanismos para excluir as empresas norte-americanas da aplicação plena das regras do Pilar 2, especialmente o UTPR e o Income Inclusion Rule (IIR), além de um tratamento mais favorável aos créditos tributários oriundos do sistema doméstico dos EUA.

O conteúdo do comunicado do G7 reconhece, de forma expressa, a intenção de construir uma solução alternativa, denominada “side-by-side”, que permita, sob determinadas condições, excluir da aplicação do Pilar 2 os lucros das empresas americanas auferidos tanto nos Estados Unidos quanto no exterior.

Para entender o alcance dessa proposta é necessário rememorar que o UTPR constitui uma das regras centrais do Pilar 2, concebida como mecanismo secundário de imputação de renda em casos em que o país da controladora ou da subsidiária intermediária de um grupo multinacional não aplique um imposto efetivo de pelo menos 15% sobre lucros globais. Nessas hipóteses, os países onde o grupo possui filiais podem negar deduções ou impor alocações adicionais de lucro tributável, de modo a reequilibrar a carga tributária consolidada da empresa.

Por mais que o G7 desempenhe papel relevante como coordenador político, suas deliberações não vinculam juridicamente o Inclusive Framework (IF) da OCDE/G20, instância colegiada composta por 147 jurisdições. A esse respeito, Manal Corwin, diretora do Centro de Política e Administração Tributária da OCDE, afirmou de modo cristalino que “any proposal would need to be approved by the Inclusive Framework’s 147 members[1].

2. O conteúdo substancial do “acordo”: concessões bilaterais e acomodamentos assimétricos

No centro do entendimento celebrado pelo G7 está uma permuta de caráter político: os Estados Unidos se comprometem a abandonar a proposta de uma Seção 899, que estabeleceria retaliações fiscais automáticas contra países com DSTs ou regimes de UTPR, em troca do empenho dos demais membros do G7 para construir um regime que isente os grupos norte-americanos das obrigações decorrentes do Pilar 2, notadamente quanto à aplicação do UTPR e do IIR.

Isso revela uma assimetria estrutural: enquanto o compromisso dos EUA é imediato e de competência legislativa interna, o “compromisso” dos demais países depende de discussão e aprovação em foro multilateral.

Parte dos compromissos assumidos já estava em curso na OCDE, ainda que de forma não vinculante: há estudos sobre a possibilidade de reconhecimento do GILTI (Global Intangible Low-Taxed Income) como um IIR qualificado, bem como sobre a criação de safe harbours para países que adotassem regimes próximos ao imposto mínimo global.

3. A solução “side-by-side”

A expressão “side-by-side” remete a uma arquitetura normativa em que as regras norte-americanas (GILTI) e as normas multilaterais (Pilar 2) coexistiriam, sendo reconhecidas mutuamente como funcionalmente equivalentes.

No entanto, surgem duas interpretações sobre o sentido dessa solução:

  • A primeira admite o reconhecimento do GILTI como IIR qualificado, desde que respeitados certos critérios de alocação de lucros e cálculo de effective tax rate (ETR) em base jurisdicional, como exige o Pilar 2.
  • A segunda, defendida por segmentos do Tesouro norte-americano, consiste na criação de uma exceção plena e permanente para grupos norte-americanos, a ser consagrada por meio de nota interpretativa ou cláusula de não aplicação, à semelhança do que ocorreu com o FATCA no âmbito do CRS. Essa proposta esvaziaria o sentido da harmonização regulatória e comprometeria a integridade do Pilar 2.

4. Consequências 

O impacto sistêmico do “acordo” dependerá do modelo adotado. Se prevalecer a via da equivalência técnica, com GILTI ajustado aos padrões do Pilar 2, poder-se-á sustentar que a integridade normativa do regime global foi preservada. Se, ao contrário, a isenção plena for adotada, ter-se-á instaurado um precedente institucional de desarmonização, com riscos ao Pilar 2.

Ademais, a adoção de um tratamento favorecido para os EUA tende a acirrar o descontentamento de países do Sul Global, que já manifestaram apoio à Convenção Fiscal da ONU como alternativa ao regime da OCDE.

O acordo do G7 representa um arranjo de natureza política, cuja implementação efetiva exige legitimação multilateral.

Resta saber se o Inclusive Framework estará disposto a legitimar o “acordo”, em alguma das suas possíveis modalidades.

Está em jogo o próprio futuro do Pilar 2.


Paulo Honório de Castro Júnior
Sócio


[1] FINANCIAL TIMES. US Treasury asks Congress to scrap foreign revenge tax in Trump bill. 14 jun. 2025. Disponível em: https://www.ft.com/content/5d99c735-97e4-4574-be16-81da32ac48eb. Acesso em: 29 jun. 2025.

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